domingo, 27 de novembro de 2011

SONHANDO - Álvares de Azevedo

Na praia deserta que a lua branqueia,
Que mimo! que rosa! que filha de Deus!
Tão pálida... ao vê-la, meu ser devaneia.
Sufoco nos lábios os hálitos meus!
Não corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

A praia é tão longa! e a onda bravia
As roupas de gaza te molha de escuma...
De noite, aos serenos, a areia é tão fria...
Tão úmido o vento que os ares perfuma!
És tão doentia...
Não corras assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

A brisa teus negros cabelos soltou,
O orvalho da face te esfria o suor,
Teus seios palpitam — a brisa os roçou,
Beijou-os, suspira, desmaia de amor!
Teu pé tropeçou...
Não corras assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

E o pálido mimo da minha paixão
Num longo soluço tremeu e parou,
Sentou-se na praia, sozinha no chão,
A mão regelada no colo pousou!
Que tens, coração?
Que tremes assim?
Cansaste, donzela?
Tem pena de mim!

Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Imóvel e branca na praia dormia;
Mas nem os seus olhos o sono fechou
E nem o seu colo de neve tremia...
O seio gelou?...
Não durmas assim!
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!

Dormia: — na fronte que níveo suar...
Que mão regelada no lânguido peito...
Não era mais alvo seu leito do mar,
Não era mais frio seu gélido leito!
Nem um ressonar...
Não durmas assim...
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!

Aqui no meu peito vem antes sonhar
Nos longos suspiros do meu coração:
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar,
Teu colo, essas faces, e a gélida mão...
Não durmas no mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!

E a vaga crescia seu corpo banhando,
As cândidas formas movendo de leve!
E eu vi-a suave nas águas boiando
Com soltos cabelos nas roupas de neve!
Nas vagas sonhando
Não durmas assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

E a imagem da virgem nas águas do mar
Brilhava tão branca no límpido véu...
Nem mais transparente luzia o luar
No ambiente sem nuvens da noite do céu!
Nas águas do mar
Não durmas assim...
Não morras, donzela,
Espera por mim!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A CRUZ DA ESTRADA - CASTRO ALVES


CAMINHEIRO que passa pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo.
Povoa, soluçando a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
Há pouco a liberdade o desposou.
Não lhe toques no leito de noivado,
O sono agora mesmo começou!


Recife, 22 de junho de 1865.

CRÔNICA DOS AMIGOS - VINÍCIUS DE MORAES

Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!!!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A PIMENTINHA MAIS DOCE DO BRASIL

por Rafael Maniçoba

“ Essa senhora...”
No palco que cantava,
Fazia o rio de sua face jorrar.
Partiu ainda no inverno
Mas sorriu
E o canário que habitava sua garganta vibrou.
Aqueles trilhos foram ingratos,
Na estação,
Embarcou saudosa no brilhante “ Trem Azul”.

Autor: Rafael Maniçoba



Quatro anos depois eu nasci, muito tempo depois dessa voz que embalou a trilha sonora de muitas vidas se calar. É fascinante ver, “rever” Elis Regina se entregar no palco; ela se despia como se aquele fosse o último momento da sua vida. Criticava, agredia de maneira mais bela com aquela voz que o Brasil perdeu e nunca mais outra veio substituir! No seu último show: Trem Azul, podemos perceber que algo falava muito em despedida; quando ela canta “ se eu quiser falar com Deus... tenho que DIZER ADEUS...” A força de sua voz parece meio que anunciar uma saudade futura para seus fãs. Não quero levar em consideração a sua partida mas sim o legado que essa grande cantora nos deixou: a garra, a vontade de viver, a emoção que arrepia quando ouvimos aquelas cordas vibrarem como se estivesse expulsando as dores que sentia. Elis Regina não só cantava com a voz mas também com a alma!
Algumas frases proferidas pela mesma ficaram como registro de uma mulher que foi considerada como uma pimentinha, mas que tinha um ar meigo e doce.



• “Sempre vou viver como camicase. É isso que me faz ficar de pé"
• "Me apaixonei pela minha voz".
• "Neste país, só há duas que cantam: Gal e eu."
• "Quero saber é do brasileiro, não estou preocupada em cromar minha orelha e sair para a rua para chamar a atenção".
• "Um dia as pessoas vão descobrir que Dalva de Oliveira é a nossa Billie Holiday".
• "Cantar, para mim, é sacerdócio. O resto é o resto."
• "Me tomam por quem? Um imbecil? Sou algo que se molda do jeitinho que se quer? Isso é o que todos queriam, na realidade. Mas não vão conseguir, porque quando descobrirem que estou verde já estarei amarela. Eu sou do contra. Sou a Elis Regina do Carvalho Costa que poucas pessoas vão morrer conhecendo". ELIS REGINA
Essa foi Elis Regina, essa é Elis: a pimenta mais doce do Brasil!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

QUINTANA: O ENCANTADOR DO COTIDIANO

por Rafael Maniçoba

ESPELHO MÁGICO

"As costas de Polichinelo arrasas
Só porque fogem das comuns medidas?
Olha! Quem sabe não serão as asas
De um Anjo, sob as vestes escondidas..."

Mário Quintana tem o poder de transformar os fatos corriqueiros em canções alegres. Ele expressa o cotidiano com um jogo de palavras que é impossível ficármos a parte do sentimento que o mesmo expressa na sua poética. "Relatos da Tia Élida, os porões da casa da sua infância, o barulho das crianças em dias de viagens..." Essa temática abordada por Mário Quintana nos faz relembrar momentos das nossas vidas, tempos até não vividos! Grande poeta gaucho, não teve um lugar na Academia Brasileira de Letras; a ABL merecia ter um poeta do porte de Quintana. O mesmo desabafou quando convidado para se candidatar pela quarta vez: " Só atrapalha a criatividade. O camarada lá vive sob pressões para dar voto, discurso para celebridades. É pena que a casa fundada por Machado de Assis esteja hoje tão politizada. Só dá ministro." Mário Quintana.

Mesmo sem ter uma cadeira na ABL, Mário Quintana não deixa de ser um dos melhores poetas que o Brasil já teve! O grande cantador do inverno, o grande admirador da Rua dos Cataventos.

Homenagem dos Doces Bárbaros



Rita Lee, i, i
Tiu, tiu, ru, ru, ru
Rita Lee, i, i
Tiu, tiu, ru, ru, ru
Com todo prazer
Quando a governanta der o bode
Pode crer que eu quero estar com você
Superstar com você

Há muito tempo
Uma mulher sentou-se
E leu na bola de cristal
Que uma menina loira
Ia vir de uma cidade industrial
De bicicleta, de bermuda, mutante, bonita
Solta, decidida, cheia de vida etc e tal
Cantando o yê, yê, yê, yê, yê, yê, yê

PELO CAPITAL



“_ Consuma aquela vitrine,
Dispa manequins, cabides...”
Eles corroem todo o queijo
E os farelos,
Imploram os ratos.
Eles destroem as bonecas, bambolês,
Os sonhos são agora penúrias
E os balanços e piqueniques
Existem apenas próximo de suas nuvens.
E a cartomante da esquina
Me mostrou um futuro em ruínas;
Papeis antes valiosos ascendem fogueiras,
Casarões: vis esconderijos tenebrosos.
Bélica agora são as pedras,
Os paus, os ossos dos orgulhosos.
Hoje não pensam eles
Que o início pode virar o fim.


Autor: Rafael Maniçoba ( do meu livro: Além do que Vemos )

domingo, 6 de novembro de 2011

ALÉM DO QUE VEMOS

Meu primeiro livro. É uma antologia dos momentos da minha vida. Muitas poesias aqui publicadas foram escritas dos 14 anos até o presente momento. Está a venda na Livraria e Cafeteria CASA CAFÉ. AV. Rui Barbosa, Garanhuns - PE ou entre em contato: rafaelmanicoba@hotmail.com

CRÔNICA: A curta manhã ( Rafael Maniçoba )

Aquele não seria um dia comum para ele. Poderia começar com seu despertador disparado e o barulho dos carros que, do alto do seu apartamento, ouvia todas as manhãs; onde cedo acordava e num rápido café resumia os sonhos da noite passada. A manhã começara mais cedo naquele dia, depois de uma longa sentinela numa noite interminável e fria, que do seu quarto acalentou a sentir o vento bater no rosto molhado de lágrimas e a preencher um lugar onde a embriaguez de alguns goles lhe fez companhia toda a madrugada. Mas, no seu chão molhado e a cama mergulhada num desespero antigo, não viu um lugar para sair e enfrentar mais um dia da solitária vida que levava.           
Os papeis rasgados e embolados que se amontoavam no chão do quarto, mostravam angústias que desabafara a noite inteira. Num retroceder, anulava um sentimento e outro vinha à tona, eles afloraram para o momento que seria a maior aventura da sua vida. Apenas uma carta permaneceu intacta, talvez a que resumisse tudo o que as outras destruídas abrigasse.
O mundo lá fora lhe aguardou para mais uma carreira, mas aquela seria a manhã onde seus sonhos se perderam num moinho onde nada mais poderia se resgatar. Naquela manhã seus olhos se perdiam ao olhar o mundo, onde o sol desabrochava na janela, contemplava um passado e avistava caminhos onde poderia cruzar; mas o ponto de sua vida estava por se concretizar. Já desligando a TV e ouvido a música que lhe transportava desse mundo para o seu, avistou na parede seus retratos e a memória das jornadas de um viver que chegou ao fim. Um vento diferente em seu rosto bateu ao encostar na janela aberta, um soluço ainda ouviu e com seus braços abertos abraçou a liberdade, um pássaro ferido se tornou, sem conseguir abrir as asas. E num momento rápido a desafiar a gravidade, numa câmera lenta, se passaram os dias que tentou expulsar uma melancolia, mas o venceu. Sua viagem rápida era
terminada. E a rua que lhe era estranha não mais observada, apenas jazia no chão com seus sonhos e ilusões destruídos.

Autor: Rafael Maniçoba

O ULTRA-ROMANTISMO E O MAL DO SÉCULO

Escritores como Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu se destacaram na segunda fase do Romantismo com seus textos ricos em idealizações. O existencialismo é notado com veemência no lirismo de tais poetas. Álvares de Azevedo, em alguns poemas, deixa isso bem claro; um exemplo é a idéia da morte, que, é algo tão cantado pelo mesmo. Podemos observar uma juventude angustiada, saudosa, o refúgio na poesia como podemos observar neste poema:

SAUDADES

Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi...
E às primaveras disse adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!
Vinte anos! derramei-os gota a gota
Num abismo de dor e esquecimento...
De fogosas visões nutri meu peito...
Vinte anos!... sem viver um só momento!
Contudo, no passado uma esperança
Tanto amor e ventura prometia...
E uma virgem tão doce, tão divina,
Nos sonhos junto a mim adormecia!

Quando eu lia com ela... e no romance
Suspirava melhor ardente nota...
E Jocelyn sonhava com Laurence
Ou Werther se morria por Carlota...
Eu sentia a tremer e a transluzir-lhe
Nos olhos negros a alma inocentinha...
E uma furtiva lágrima rolando
Da face dela umedecer a minha!
E quantas vezes o luar tardio
Não viu nossos amores inocentes?
Não embalou-se da morena virgem
No suspirar, nos cânticos ardentes?
E quantas vezes não dormi sonhando
Eterno amor, eternas as venturas...
E que o céu ia abrir-se... e entre os anjos
Eu ia despertar em noites puras?
Foi esse o amor primeiro! requeimou-me
As artérias febris de juventude,
Acordou-me dos sonhos da existência
Na harmonia primeira do alaúde.

Meu Deus! e quantas eu amei... Contudo
Das noites voluptuosas da existência
Só restam-me saudades dessas horas
Que iluminou tua alma d’inocência.
Foram três noites só... três noites belas
De lua e de verão, no vale saudoso...
Que eu pensava existir... sentindo o peito
Sobre teu coração morrer de gozo.
E por três noites padeci três anos,
Na vida cheia de saudade infinda...
Três anos de esperança e de martírio...
Três anos de sofrer — e espero ainda!
A ti se ergueram meus doridos versos,
Reflexos sem calor de um sol intenso,
Votei-os à imagem dos amores
Pra velá-la nos sonhos como incenso.
Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,
Tantas noites de febre e d’esperança...
Mas hoje o coração parado e frio,
Do meu peito no túmulo descansa.
Pálida sombra dos amores santos!
Passa quando eu morrer no meu jazigo,
Ajoelha ao luar e entoa um canto...
Que lá na morte eu sonharei contigo

                         ÁLVARES DE AZEVEDO