sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A ARTE PELA ARTE

A forma e nem sempre o sentido da poesia, as rimas raras, as frases rebuscadas. Poesia que fala de poesia. Essas são algumas características do movimento literário surgido na França na metade do século XIX; chamado Parnasianismo. NO Brasil, até 1922, predominava na Literatura poesias parnasianas, mas com a Semana da Arte Moderna, iniciou-se um novo estilo de escrita. Temos nomes como: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Luís Delfino, entre outros.

PROFISSÃO DE FÉ ( Olavo Bilac )

Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino
Com o camartelo.

Que outro - não eu! - a pedra corte
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte
Descomunal.


Mais que esse vulto extraordinário,
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor(...)
(...)Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.(...)

MOMENTO CLARICE

Modernista, contista, poetisa, mulher...
Há Momentos ( Clarice Lispector )
Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.
"Leia o texto abaixo e depois leia de baixo para cima" ( Clarice Lispector ) Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
Pertencer ( Clarice Lispector ) "Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos."
"Abro o jogo! ( Clarice Lispector ) Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza. Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves. Por favor me poupem".

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Este é meu primeiro livro, lançado em 2011. É uma antologia dos momentos da minha vida. Muitas poesias e crônicas publicadas foram escritas dos 14 anos até o momento da publicação.
Para adquirir: LIVRARIA E CAFETERIA CASA CAFÉ. AV. Rui Barbosa, Nº 574. Garanhuns - PE. Ou entre em contato: rafaelmanicoba@hotmail.

domingo, 11 de novembro de 2012

POESIA QUE VEM DO FUNDO DA ALMA

( QUANTAS VEZES TRACEI O TEU NOME ). Não sei se é o título da poesia,não sei de quem é a autoria, mas acho uma poesia fantástica. Pelo que me parece é uma moda bem antiga, cantada... Será que se perdeu no tempo? Conheci esta poesia assistindo a um vídeo no youtube, recitada por uma conterrânea minha, da Cidade de Floresta, sertão de Pernambuco. Trata-se de Dona Herundina de Souza Ferraz. Morreu aos 100 anos em 2007. Não tive a oportunidade de conhece-la. Somente através da internet que a ouvi, como ela falava de coração! Transparece sentimento em cada palavra que ecoa. Dona Herundina aprendeu essas poesias com o pai. Num tempo áureo em que Floresta era conhecida como a " Atenas sertaneja".

QUANTAS VEZES TRACEI O TEU NOME

Quantas vezes tracei o teu nome
Na alva areia das praias do mar,
Mas as águas talvez por ciúme
Vêm apressadas e o seu nome apagar.

Escrevi-o nas pétalas de um lírio
Dolorosos com ternos afagos,
E depois ao voltar para casa
A encontrei às abelhas de um lago.

Escrevi-o em um tronco rigoso
De uma velha mangueira acampada,
E depois ao voltar para casa
Encontrei lá no chão derrubada.

E depois convencido que o tempo
Até no mármore as letras consomem,
Escrevi com o punhal da saudade
No íntimo do peito teu nome.

( Autor desconhecido )

Florestana, filha de Serafim Rufino de Souza Ferraz(1871-1968) e de Maria Adélia de Souza Ferraz(1879-1973), nascida em 17/11/1905 e falecida em 16/05/2006, aos 100 anos. Neste video, de julho de 2002 ela aos 96 anos de vida, a pedido de sua filha, Maria do Rosário, declama poesias e "quadrinhas", algumas ensinadas por seu pai, ainda quando criança, emocionando-se.

UMA PAUSA NA ESTRADA

( do meu livro: ALÉM DO QUE VEMOS ) )
Rústica era a paisagem.
Retratos de anos passados,
Um ambiente regado a velas,
Meio escuro, vozes confundíveis;
Na parede: Viva Las Vegas!

E entre conflitos e alegrias
Um olhar clareia a noite,
Marcado pelo destino o ocorrido?
Sufoquei meu passado de desejo,
Seu olhar, há muitos anos já perdido.

RAFAEL MANIÇOBA

AMOR DE INVERNO

( do meu livro: ALÉM DO QUE VEMOS )
Mas aquela aventura não me aqueceu,
Procurava ventura, um sol...
Nos seus braços avistava uma paixão,
Apenas avistei;
Deparei-me com miragem na estrada.
E aquele amor que desejei
Ficou no frio deste inverno.
Queria levar para outras estações
Esse amor que almejei,
Mas na neblina nos perdemos
E sozinho segui
Buscando uma luz no horizonte nublado.

RAFAEL MANIÇOBA

A VOLTA

( do meu livro: ALÉM DO QUE VEMOS )
Hoje amanheceu. 2003.
Estranho tempo, anacrônico talvez.
O tempo retorna à oito anos passados,
Alguns ressurgem, outros adormecem...

Mas o espelho desfaz ilusório calendário,
O tempo prosseguiu
E o que refletiu não abraçou meu corpo.
É estranho que o tempo volte,
O tempo...!
Onde olhava para oito invernos adiante
E tudo era claro,
Como uma manhã no litoral.

RAFAEL MANIÇOBA

A ÁRVORE DO PAJEÚ

( do meu livro: ALÉM DO QUE VEMOS )
No paço da capela antiga,
Contra o tempo e a existência,
Meus olhos ressurgem numa tarde;
Ao cair do sol sereno
No cruzeiro se fita,
Em um silencio se aflige
Numa nostalgia transbordada.
Nesse passado cortejo
Aquelas moças com seus vestidos floridos,
Nas procissões cheias de fé
A acompanhar e a reverenciar
O andor do Bom Jesus dos aflitos.
Aqueles pirotécnicos a enfeitar
A noite, a alegria...
De um povo a entoar uma canção
Cheios de esperança, de vigor...
Naquele chão de sertão.
Mas um cheiro me acordou
Nessa noite que brotou
As flores novas nos tamarindos
E na realidade me vejo,
O sonho passou...
Tal qual aquele tamarindo frondoso
Enraizado nesse chão tão querido
Habitará um dia meu coração,
Tranquilo, sereno...
Nesse chão de sertão.


RAFAEL MANIÇOBA

POEMA DE UM COMEÇO DE NOITE

(do meu livro Além do Que Vemos )

Hoje amanheci no Japão,
Brasileiro nato;
De Byron, descendente, fato!
As noites britânicas presentes em mim.

O sol já amarelado
Beijava-me meio tristonho,
Repetia o coração: “vivo um sonho?”
Atordoado num barulho de cidade.

Afogo-me nesse berço de noite,
Nesse mar de palavras que jorram
Como uma represa saciada, forja
Uma calmaria, um lindo lago azul.

Tudo é calmo e sereno,
O vento adormeceu,
Nessas horas por mim se compadeceu,
A noite parece chorar minhas dores!

RAFAEL MANIÇOBA

EGO

( do meu livo Além do que Vemos )

As horas já mortas não acenam para hoje,
Era tudo surreal quando os olhares de outrem pareciam desviados.
As águas novas me conduziam
E as rochosas costeiras, nem avistava.
Mas nas águas da alta noite flutua,
Os lugares seguros talvez parecem solitários.
Mesmo sepultando algo porvir,
As noites de neblinas são alegres:
Nelas, os corações não obedecem a vida.

RAFAEL MANIÇOBA

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SOLO SOLITÁRIO

( do meu livro Além do Que Vemos )
Foi ao som de Frédéric Chopin
E do tule branco que o vento trazia.
Nele, o cheiro verde da noite.
A poeira era última
Trazida da janela.
As pequenas bailarinas da música
Rodavam devagar
No vento calmo,
Da noite calma...
Nas notas musicais que pareciam dançar
Entre o claro lúster da sala.
E os corvos lá fora
Se renderam a esse encanto,
Não mais cantavam para a lua
Nem para a última senhora que dobrava a esquina.
Parecem ter entendido os tons:
Noturnas eram as horas,
“NOTURNO”, naquela sala solitária.
RAFAEL MANIÇOBA

A CARAVELA PERDIDA

( do meu livro: Além do Que Vemos )
Não que não tenha aspirado
Banhar-me na ilha verdejante.
Subir ao monte, alpinista bravo;
Ouvir a noite, o mar murmurante.
Eis amarelada, novas velas,
Pelo sol que brilhe ou ao luar.
Vai sendo levada, guiada pelo vento.
Foi alva, nesses mares a flutuar.
É lindo o alvorecer no alto mar,
Onde o céu ondula com meus passos.
Ver o céu estrelado, um infinito...
Que das águas avisto, num espelho, os astros.
Mas, não morrerei ainda na praia.
Submergida longe, caravela perdida;
Sonharei com as bromélias, as cachoeiras...
Velarei ao longe a sonhada ilha.
RAFAEL MANIÇOBA

VISITA A CASA PATERNA

( Luís Guimarães Júnior )
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, - olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.
Rio - 1876.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

NOÊMIA ( crônica )

( do meu livro: Além do Que Vemos )
Os sinos repicavam pela segunda vez, anunciando chamada para a missa de domingo pela manhã. E Noêmia bocejou sorrindo, lembrando talvez dos sonhos noturno; mas o tinir dos sinos da matriz da pequena cidade a fez correr para colocar o vestido que costumava usar em dias especiais. Mas, era preciso cumprir um ritual rotineiro: alimentar a pequena sobrinha, levar para o banho de sol sua velha mãe, cantarolar preparando o café da manhã... E Noêmia corria apressada pela pracinha da cidade, os rapazes a cumprimentava com um ar irônico. O padre já estava no altar; silenciosamente, Noêmia buscou o velho lugar de todos os domingos e todos a observava... Noêmia era angelical, ao se fitar nos olhos amargurados do Cristo crucificado. Tinha pouco mais de trinta anos, quando a última esperança de entrar para o convento se esvaiu e se foi num rio eterno. “Não casara com Cristo, com nenhum mortal então!” Era desejada ainda pelos mancebos da cidade; mas, se continha apenas em cultivar o jardim e as rosas da grande casa, a cuidar das tranças de sua sobrinha, a passear pela cidade guiando sua velha mãe... Os anos passaram, agora, não mais o frescor da juventude em seu rosto; agora, as marcas da idade. Sua mãe já se tinha ido, a sobrinha mudara-se para estudar na capital. E restava para Noêmia aquele mundo: seu imenso jardim, com pouco verde, não mais aquele encanto de outrora. A velha casa tão alta, que seus cansados olhos não mais avistavam o pombo branco que há anos enfeitava a fachada. Restava para Noêmia as missas nos domingos pela manhã, o badalar dos sinos em dias festivos. E daquela imensa janela, Noêmia assistia as horas irem embora, a cidade se multiplicar. E todos que a viam naquela janela já antiga, saudavam rotineiramente aquela que os olhos eram de saudades. RAFAEL MANIÇOBA

QUANTO CUSTA UM SONHO?

( do meu livro: Além Do Que Vemos )
O egoísmo humano não deixa sobreviver
O céu dos sonhadores;
Das suas esperas, consumidores,
Sararia uma nova vida, talvez um renascer.
Malditas vozes educadas,
Afagavam os ouvidos e faziam dormir,
O sol nascente nem consumir;
Dormiria no dia, poesias nas madrugadas.
Caminhava ao frio, perseguindo acordar;
A noite eterna se fazia
E por um sonho, que não faria?
Das pobres almas, muito custa relembrar.
RAFAEL MANIÇOBA

MANDACARU

( do meu livro Além Do que Vemos )
Fazem jorrar mares de suas testas.
Enquanto isso,
Eles tomam sucos à Hawaii,
Saltam lá na Sapucaí,
Fogem para cima da linha do equador.
Fazem uma transfusão de sangue,
Roubam vida de suas veias;
Disparam nas esquinas, anêmicos,
Vão para a praia dos seus sedimentos
E eles, nas águas puras de néon.
Mas, sorriem em fevereiro,
Ou no verde e amarelo em vibrações;
Desconhecem seu cativeiro,
Morrem dentro desses celeiros,
E passam o cajado de mandacaru adiante.
RAFAEL MANIÇOBA

AS ROCHAS DO MAR E A LINDA SITUAÇÃO

( do meu livro Além do Que Vemos )
Nessa orla infinita,
Boa é a viagem.
Nela, sobe o balão de sonho azul
Até chegar nas águas de Duarte Coelho.
É lá que o tempo pára,
O sacro!
É macro o sustento
Das eiras e beiras
Dos sobrados não apagados.
Ali ancorei contrito
E o velhinho de barba branca conta o passado.
No crucifixo amargurado
O Cristo vigia a guerrilha de ontem
E o amanhã.
Por fim,
O altar de Nossa Senhora do Rosário
Que para seu povo não lendário
Ainda está de olhos bem firmes.
Oh, pedras onde o mar arrebenta,
Além de ti o passado!
Dos que vieram por aqui sonhar.
RAFAEL MANIÇOBA

OH MÃE GENTIL ( do meu livro Além do Que Vemos )

Num terceiro lugar,
Meu papel é de assistir este filme.
Mãos atadas, pela minha escolha.
Eis tarde,
Quatro primaveras adiante.
Penarei, vomitarei por este semblante falsificado.
E os filhos pródigos
A mãe gentil sabota, pobre mãe.
De natureza igualitária és mãe.
Estão fazendo festa de cabide na sua enorme casa.

NO IMENSO SILÊNCIO

(Do meu livro " Além do que Vemos ". Rafael Maniçoba)
Numa chuvosa Sexta-Feira da paixão
Aquele anjo quieto olhava para o céu cinzento,
Entre flores secas esquecidas.
Talvez pelos anos num semblante único
Tentasse fugir desse oceano morto.
Pobre anjo de face triste,
Com as mãos reverentes no alto;
Talvez suplica glória para um ido sozinho,
Talvez chora a dor de um esquecido.
No silencio, uma sinfonia ecoa;
Os anjos de harpa, sozinhos, entoam
Uma melodia para os jazigos fulgurantes.
E o pobre anjo de cabelos curtos,
De cor única e apagada,
Durante anos guarda as sombras internas
Sob a forma de quem quer levantar vôo
E nunca mais retornar
Na quieta cidade do silêncio profundo.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ESCOLHA

( Do meu livro " Além do que Vemos". Rafael Maniçoba )
Nessas vagas ruas onde acho
Os sonhos varridos pelo tempo;
Atônita, a última árvore que repousastes.
Rodopia seu cheiro na velocidade do vento.
Pelas novidades andaram meus passos.
Debruçada no fim, olhou-me às quadras.
Seus olhos, um espelho, onde sumia meu rastro
E nas digitais, o tom, as máscaras.
Sentei no cais, esqueci o sobrado do alto.
Ancorou nos meus sonhos sereia da lua.
O que habitava nas mãos voou, ganhou o céu.
Se perdeu a casa que me acolheu na antiga rua.
Restou-me seus olhos que acende o coração,
As suas palavras silenciadas, a agrura.
Não ouso negar, é extensa, sem fim;
A rua da saudade cruza a rua da amargura.
Garanhuns, 18/ 06/2011. Final de outono

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

UM LUGARZINHO NO MEIO DO MUNDO ( do meu livro Além do que Vemos )

Rodopiam as folhas secas.
Da janela, um ninar já nem esperado;
Desses que alegra de longe a cachoeira,
Nossas flores, a nossa casa, a trepadeira.
Esses vales e montes que habitam essa janela de sonho.
Seu olhar entre as flores da janela
Se confunde ao viver, a estrada cinzenta.
Uiva o telhado, as árvores lá fora
Mas finda-se março, embora,
O céu ainda não celebre o canto dos pássaros.
Brilham seus olhos na estrada longa e molhada,
Na neblina alegram-se.
Surge minha figura de relva, no escuro diurno na ladeira.
O pão, o vinho, as canções na lareira.
Esse é o mundo, não existe outro.
Nesses vales e serras floridas
Surgem saudades de um solo branco.
Nasceu o império dos lírios, flores no jardim,
Exalam as arrudas, os jasmins.
Dê-me a mão, vamos embora para a primavera.
Rafael Maniçoba

CÂNTICO DO CALVÁRIO ( Fagundes Varela )

Eras na vida a pomba predileta Que sobre um mar de angústias conduzia O ramo da esperança. Eras a estrela Que entre as névoas do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, a inspiração, a pátria, O porvir de teu pai! - Ah! no entanto, Pomba, - varou-te a flecha do destino! Astro, - engoliu-te o temporal do norte! Teto, - caíste!- Crença, já não vives! Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, Legado acerbo da ventura extinta, Dúbios archotes que a tremer clareiam A lousa fria de um sonhar que é morto! Correi! um dia vos verei mais belas Que os diamantes de Ofir e de Golconda Fulgurar na coroa de martírios Que me circunda a fronte cismadora! São mortos para mim da noite os fachos, Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas, E à vossa luz caminharei nos ermos! Estrelas do sofrer, gotas de mágoa, Brando orvalho do céu! Sede benditas! Oh! filho de minh'alma! Última rosa Que neste solo ingrato vicejava! Minha esperança amargamente doce! Quando as garças vierem do ocidente Buscando um novo clima onde pausarem, Não mais te embalarei sobre os joelhos, Nem de teus olhos no cerúleo brilho Acharei um consolo a meus tormentos! Não mais invocarei a musa errante Nesses retiros onde cada folha Era um polido espelho de esmeralda Que refletia os fugitivos quadros Dos suspirados tempos que se foram! Não mais perdido em vaporosas cismas Escutarei ao pôr-do-sol, nas serras, Vibrar a trompa sonorosa e leda Do caçador que aos lares se recolhe! Não mais! A areia tem corrido, e o livro De minha infanda história está completo! Pouco tenho de andar! Um passo ainda E o fruto de meus dias, negro, podre, Do galho eivado rolará por terra! Ainda um treno, e o vendaval sem freio Ao soprar quebrará a última fibra Da lira infausta que nas mãos sustenho! Tornei-me o eco das tristezas todas Que entre os homens achei! o lago escuro Onde o clarão dos fogos da tormenta Miram-se as larvas fúnebres do estrago! Por toda a parte em que arrastei meu manto Deixei um traço fundo de agonias!... Oh! quantas horas não gastei, sentado Sobre as costas bravias do Oceano, Esperando que a vida se esvaísse Como um floco de espuma, ou como o friso Que deixa n'água o lenha do barqueiro! Quantos momentos de loucura e febre Não consumi perdido nos desertos, Escutando os rumores das florestas, E procurando nessas vozes torvas Distinguir o meu cântico de morte? Quantas noites de angústias e delírios Não velei, entre as sombras espreitando A passagem veloz do gênio horrendo Que o mundo abate ao galopar infrene Do selvagem corcel!... E tudo embalde! A vida parecia ardente e doida Agarrar-se a meu ser!... E tu tão jovem, Tão puro ainda, ainda n'alvorada, Ave banhada em mares de esperança, Rosa em botão, crisálida entre luzes, Foste o escolhido na tremenda ceifa! Ah! quando a vez primeira em meus cabelos Senti bater teu hálito suave: Quando em meus braços te cerrei, ouvindo Pulsar-te o coração divino ainda; Quando fitei teus olhos sossegados, Abismos de inocência e de candura, E baixo e a medo murmurei: meu filho! Meu filho! Frase imensa, inexplicável, Grata como o chorar de Madalena Aos pés do Redentor... ah! pelas fibras Senti rugir o vento incendiado Desse amor infinito que eterniza O consórcio dos orbes que se enredam Dos mistérios do ser na teia augusta Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Que se expande em torrentes inefáveis Do seio imaculado de Maria! Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! E de meu erro a punição cruenta Na mesma glória que elevou-me aos astros, Chorando aos pés da cruz, hoje padeço! O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, A voz mentida de rafeiros bardos, Torpe alegria que circunda os berços Quando a opulência doura-lhes as bordas, Não te saudaram ao sorrir primeiro, Clícia mimosa rebentada à sombra! Mas, ah! se pompas, esplendor faltaram-te, Tiveste mais que os príncipes da terra! Templos, altares de afeição sem termos! Mundos de sentimento e de magia! Cantos ditados pelo próprio Deus! Oh! quantos reis que a humanidade aviltam, E o gênio esmagam dos soberbos tronos, Trocariam a púrpura romana Por um verso, uma nota, um som apenas Dos fecundos poemas que inspiraste! Que belos sonhos! Que ilusões benditas! Do cantor infeliz lançaste à vida, Arco-íris de amor! luz da aliança, Calma e fulgente em meio da tormenta! Do exílio escuro a cítara chorosa Surgiu de novo e às virações errantes Lançou dilúvios de harmonia! O gozo Ao pranto sucedeu. As férreas horas Em desejos alados se mudaram. Noites fugiam, madrugadas vinham, Mas sepultado num prazer profundo Não te deixava o berço descuidoso, Nem de teu rosto meu olhar tirava, Nem de outros sonhos que dos teus vivia! Como eras lindo! Nas rosadas faces Tinhas ainda o tépido vestígio Dos beijos divinais, - nos olhos langues Brilhava o brando raio que acendera A bênção do Senhor quando o deixaste! Sobre teu corpo a chusma dos anjinhos, Filhos do éter e da luz, voavam, Riam-se alegres, das caçoilas níveas Celeste aroma te vertendo ao corpo! E eu dizia comigo:- teu destino Será mais belo que o cantar das fadas Que dançam no arrebol, - mais triunfante Que o sol nascente derribando ao nada Muralhas de negrume!... Irás tão alto Como o pássaro-rei do Novo Mundo! Ai! doido sonho!... Uma estação passou-se E tantas glórias, tão risonhos planos Desfizeram-se em pó! O gênio escuro Abrasou com seu facho ensangüentado Meus soberbos castelos. A desgraça Sentou-se em meu solar, e a soberana Dos sinistros impérios de além-mundo Com seu dedo real selou-te a fronte! Inda te vejo pelas noites minhas, Em meus dias sem luz vejo-te ainda, Creio-te vivo, e morto te pranteio!... Ouço o tanger monótono dos sinos, E cada vibração contar parece As ilusões que murcham-se contigo! Cheias de frases pueris, estultas, O linho mortuário que retalham Para envolver teu corpo! Vejo esparsas Saudades e perpétuas, sinto o aroma Do incenso das igrejas, ouço os cantos Dos ministros de Deus que me repetem Que não és mais da terra!... E choro embalde. Mas não! Tu dormes no infinito seio Do Criador dos seres! Tu me falas Na voz dos ventos, no chorar das aves, Talvez das ondas no respiro flébil! Tu me contemplas lá do céu, quem sabe? No vulto solitário de uma estrela. E são teus raios que meu estro aquecem! Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho! Brilha e fulgura no azulado manto, Mas não te arrojes, lágrima da noite, Nas ondas nebulosas do ocidente! Brilha e fulgura! Quando a morte fria Sobre mim sacudir o pó das asas, Escada de Jacó serão teus raios Por onde asinha subirá minh'alma.