quarta-feira, 31 de outubro de 2012

NOÊMIA ( crônica )

( do meu livro: Além do Que Vemos )
Os sinos repicavam pela segunda vez, anunciando chamada para a missa de domingo pela manhã. E Noêmia bocejou sorrindo, lembrando talvez dos sonhos noturno; mas o tinir dos sinos da matriz da pequena cidade a fez correr para colocar o vestido que costumava usar em dias especiais. Mas, era preciso cumprir um ritual rotineiro: alimentar a pequena sobrinha, levar para o banho de sol sua velha mãe, cantarolar preparando o café da manhã... E Noêmia corria apressada pela pracinha da cidade, os rapazes a cumprimentava com um ar irônico. O padre já estava no altar; silenciosamente, Noêmia buscou o velho lugar de todos os domingos e todos a observava... Noêmia era angelical, ao se fitar nos olhos amargurados do Cristo crucificado. Tinha pouco mais de trinta anos, quando a última esperança de entrar para o convento se esvaiu e se foi num rio eterno. “Não casara com Cristo, com nenhum mortal então!” Era desejada ainda pelos mancebos da cidade; mas, se continha apenas em cultivar o jardim e as rosas da grande casa, a cuidar das tranças de sua sobrinha, a passear pela cidade guiando sua velha mãe... Os anos passaram, agora, não mais o frescor da juventude em seu rosto; agora, as marcas da idade. Sua mãe já se tinha ido, a sobrinha mudara-se para estudar na capital. E restava para Noêmia aquele mundo: seu imenso jardim, com pouco verde, não mais aquele encanto de outrora. A velha casa tão alta, que seus cansados olhos não mais avistavam o pombo branco que há anos enfeitava a fachada. Restava para Noêmia as missas nos domingos pela manhã, o badalar dos sinos em dias festivos. E daquela imensa janela, Noêmia assistia as horas irem embora, a cidade se multiplicar. E todos que a viam naquela janela já antiga, saudavam rotineiramente aquela que os olhos eram de saudades. RAFAEL MANIÇOBA

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